sábado, 5 de maio de 2012

Degustação de palavras


Às vezes, despretensiosamente, alguns alunos me mostram textos que escrevem e me pedem alguma opinião. Dessa forma, eu me deparo com outros lados desses alunos e, por vezes, descubro neles talentos impressionantes. É o caso dessa aluna.

Rafaella Litvin é uma excelente aluna, que se destaca pela participação e atenção em sala de aula. Dedicada e esforçada, já era merecedora de muitas formas de admiração. Porém, foi quando ela me enviou esse conto que eu fiquei maravilhada com um talento incrível, que me surpreendeu verdadeiramente.

Nunca subestimei a aluna, tinha plena ciência de que ela era talentosa em diversos aspectos, mas o que li foi surpreendente porque me apresentou uma maturidade literária que eu não esperava encontrar em uma garota tão nova. Aliás, sendo mais correta, eu não esperava um texto tão impressionante que não viesse de alguém com anos de experiência em uma vida literária já bastante desbravada.

Não sei explicar o caso aqui, posso apenas descrever meu estado à medida que ia lendo as deliciosas linhas que compõem esse conto fantástico, de autoria da Rafaella: curiosidade, surpresa, êxtase, meditação.

A pluralidade de significados que seu texto permite só não é maior que a beleza poética das palavras que o compõem. Aliás, é interessante que o título fale sobre devoração de palavras, já que é exatamente o que acontece com quem lê o conto da Rafaella.

O tom de contos de fada com que ela inicia o texto é divertido, traz o tom da leveza que perpassa todo o conto. No entanto, é preciso ficar atento para não se deixar levar tão levianamente por essa leitura aparentemente leve. É preciso ver além, captar a profundidade que frases tão fluidas podem alcançar. Imergimos em seu texto, devaneamos em meio a tantas palavras e não compreendemos a estranha e agradável sensação que esse conto pode nos causar. Para descobri-la, é importante deixar-se naufragar no que há por trás de cada parágrafo.

Não posso, não devo e não vou entregar reflexões prontas acerca do conto da Rafaella. Não; se eu assim proceder, estarei destruindo parte da beleza dele, que reside nesse mistério que as melhores histórias sempre trazem. Há algo de muito belo nos escritos que não entregam, e sim, instigam. Os melhores são aqueles que atiçam, que nos empurram a tentar ver mais, ver além, chegar a algum ponto que nunca antes experimentamos.

O conto da Rafaella nos oferece isso e ainda mais.

Degustemos. 

“A Menina Que Comia Palavras
Rafaella Litvin

     Era uma vez uma menina que vivia de palavras. Palavras de todos os tamanhos e em todas as línguas. A menina gostava de experimentar então quanto mais esquisita e inusitada a palavra fosse, mais satisfeita ela ficava. Quando bebê, a menina comia pouco. Alguns pronomes e artigos e estava saciada. Foi crescendo e exigindo substantivos. Até que na adolescência entrou em uma fase em que só comia verbos. Fez dietas de sim e não e de onomatopeias. Passou a comer parágrafos inteiros em uma refeição.
     O apetite da menina era algo que assustava sua família e amigos. Todos viviam no medo secreto de que a menina acabasse por engolir todas as palavras e eles ficassem sem nenhuma. Diziam a ela que tentasse comer outras coisas. Números, por exemplo, eles eram infinitos afinal. Mas a menina dizia que os números tinham um gosto amargo de falta de significado, e não matavam a sua fome.
     Quando a menina fez dezoito anos, seus pais mandaram trazer de longe uma caixa repleta de palavras em árabe. A menina quase transbordou de felicidade. Saboreou letrinha por letrinha até não haver mais nada. Só de pirraça, passou o resto da semana falando árabe.
     E assim os anos foram passando. A menina virou mulher e se apaixonou por um poeta. Ele a cortejava com as mais belas das palavras e foi irresistível para a menina, para quem as mesma já vinham, devagarzinho, perdendo um pouco do seu brilho.
     Foi uma festa de dar gosto. As músicas eram só as que tinham as letras mais bonitas e os votos dos noivos mesmerizaram a todos que compareceram. Os pais da menina estavam especialmente felizes. Ela não podia ter arranjado homem melhor, o poeta iria mantê-la sempre cheia de palavras e eles não precisariam mais se preocupar com ela os deixando sem nada.
     Os primeiros anos do casamento foram os mais felizes da vida dos dois. A menina decorou a pequena cabana em que foram morar com suas palavras favoritas, o poeta sempre tentava voltar para casa com uma surpresinha, um indubitavelmente ou um chatoyant. A menina servia de inspiração para o poeta e o poeta parecia ser o único capaz de suprir o desejo insaciável da menina por palavras.
     Mas o tempo passou. Com o apetite da menina crescendo exponencialmente e sem dar sinal de que iria estagnar, o poeta foi deixando de escrever, pois todas suas palavras tinham que ir para a menina. Ela não dizia, mas vivia sempre com fome. Não queria magoar seu amado, que já estava entristecido por quase nada escrever.
     E a menina emagrecia e emagrecia enquanto o poeta fazia de tudo para arranjar novas palavras. Eles quase não conversavam mais, pois a menina já tinha comido a maioria dos substantivos e boa parte dos verbos. Fazia força para não engolir certas palavras, pois sabia que sem elas não conseguiria viver.
Era irônico como ela podia amar tanto as palavras, a ponto de precisar delas para viver, mas ser capaz de destruí-las uma por uma, fazendo as sumir dentro do seu ser, até não sobrar quase nada.
     Quanto mais magra ela ficava, mais a tristeza na casa aumentava. Os dois pararam de sair, com medo de que, se encontrassem com alguém, a menina engolisse todas as palavras do passante de uma vez. Não queriam causar problema.
     A menina percebeu que, na verdade, aquilo era mais uma maldição do que um dom. Para que poder viver de palavras quando a sua existência só privava o mundo delas?
     O poeta tentou de tudo. Mandou vir palavras do Japão, da Rússia e de Israel. Até não haver mais nenhuma língua cujas palavras a menina já não tinha provado. Seu desespero aumentava ao ver aquela mulher magrinha comendo um Tolstoi de uma dentada só.
     Sem mais alternativas, os dois aceitaram que não havia nada mais a ser feito. A menina foi ficando doente. Como era o único remédio que a poderia fazer melhorar, o poeta oferecia cada dia uma de suas mais prezadas e últimas palavras.
     Uma tarde, sem nem poder mais abrir a boca, a menina disse com os olhos que sua hora havia chegado. O poeta entendeu e lhe disse, com lágrimas escorrendo:
     - Eu te amo.
     Os lábios da menina se separaram levemente e ela engoliu aquelas palavras. Teve certeza de que eram as mais deliciosas que já tinha provado. E, após um último suspiro, a menina que vivia de palavras morreu, com um sorriso no rosto e as palavras do poeta no coração.”

Delicioso, não é mesmo? Não fica um sabor de “quero-mais”? Ok, chega dos trocadilhos que já estão ficando infames. Vamos fechar essa postagem com um pedido geral para a Rafaella: Mocinha, novos contos devem ser escritos para alimentar nossa fome de boas histórias. Considero que isso foi só um aperitivo. Espero que, em breve, você nos presenteie com uma nova fornada, quentinha. (Ok, ok. Agora eu parei mesmo com os trocadilhos.)

Rafinha, muito obrigada pela inspiração!

E, para quem quiser entrar em contato com ela, procurem-na no Facebook: Rafaella Litvin.

Bom, ficamos por aqui. 

Obrigada a quem estiver acompanhando.

Até mais! =D

2 comentários:

  1. Oi! Gostei muito do seu blog, parabéns! Mas venho aqui pra te pedir uma ajuda, meu nome é Camila e eu tenho 18 anos, desde pequena eu me atrevo a escrever, com 10 anos lancei um livrinho na feira da livro e hoje tenho um blog com alguns "textos-desabafos", queria te pedir pra dar uma olhada e quem sabe me dar alguma ajuda, alguma opinião.. agradeço desde já! http://dramaeironia.blogspot.com.br/ Beijo!

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